“Queremos audiência na TV pública”, diz Hélio Doyle, presidente da EBC
O presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Hélio Doyle, sabe dos grandes desafios que tem em mãos para consolidar e tornar relevante a comunicação pública, cuja empresa que dirige que saiu da lista das empresas privatizáveis. Reconhece que no mundo da convergência de mídias a EBC está muito atrasada, e tomou o primeiro passo para mudar esse cenário ao criar uma superintendência para cuidar do mundo convergente.
Sabe também das barreiras culturais para fazer prevalecer o conceito de que emissora pública não se confunde com emissora de governo – e, para mexer nessa ferida, está criando uma linha divisória nítida entre o canal do governo e o canal público – buscando fortalecer, ainda, toda a rede de rádio e TV abertas. Embora enxergue papeis bastante diferentes entre os canais públicos e privados, advoga que os públicos não podem ser conformar com traços de audiência e, por isso, atua para aumentar o número de telespectadores e ouvintes. Leia aqui os principais trechos da entrevista.
Como você vê hoje o papel da TV pública e da rádio pública dentro desse cenário de convergência de streaming, de muita produção de conteúdo, de internet entrando na vida de todo mundo.
Hélio Doyle: A EBC, na verdade, não está preparada para encarar essa nova realidade, mas ela está se preparando. A gente criou na nova estrutura da empresa uma superintendência de redes sociais e mídias digitais. Há um grupo de trabalho examinando os portais de internet para dar uma atualizada, dar uma reformulada dentro dessa nova realidade. A gente sabe que em pouco tempo, segundo o que se diz, o streaming, a internet, vão ter um papel maior do que a televisão, embora a televisão aberta, ainda tem um grande alcance. A TV aberta atinge populações que tem pouco acesso a outras formas de comunicação. Não estou falando em abandonar nada. A EBC está atrasada. Ela não se preparou para isso, mas agora é uma preocupação real. Temos que estar atualizados porque a gente quer audiência. Embora a gente sempre coloque que audiência não é o objetivo básico de emissoras públicas, a gente não vive sem audiência. Nós queremos formar, não queremos falar para nós mesmos, falar para uma bolha. E para atingir um público um maior, mais jovem, precisamos estar atualizados.
Do ponto de vista da TV pública, você disse que a preocupação maior não é audiência. Como enxerga a questão da produção de conteúdo na TV pública hoje?
Doyle: Quando falo que audiência não é o principal, é porque as emissoras privadas obviamente buscam audiência para ter rentabilidade. A EBC não tem essa preocupação porque não podemos ter publicidade, a não ser institucional. Não podemos vender produtos e serviços. Isso é um pressuposto da comunicação pública no Brasil, que acho até que poderia haver exceções. Por exemplo, em Portugal, o canal 1, que é o canal comum, tem publicidade comercial, mas o canal 2, que é cultura, o canal internacional, os outros canais (são oito canais) não têm. São variações que poderia haver no Brasil. Mas entendo que temos que formar audiência de emissora pública. A audiência hoje é irrisória e, embora tecnicamente a rede pública esteja em quinto lugar, isso se deve a uma rede de afiliadas. A audiência está na TV da Bahia, na fundação Telpa, no Pará, na TV de Pernambuco.
Qual a programação que imagina para conquistar a audiência?
Doyle: A gente precisa terna EBC uma programação característica de emissora pública. Significa uma preocupação com a cultura, uma na preocupação com a educação, uma preocupação com a cidadania, com a diversidade e não só a diversidade de gênero ou de raça, mas a diversidade regional, a diversidade cultural que o Brasil tem. A diversidade da informação. São preocupações que independem de audiência, vamos dizer assim. Por quê? Porque não são rentáveis. Por que a TV privada abandonou a
programação infantil? Porque não é rentável, devido a restrições da publicidade. Nós não temos que ter essa preocupação. Nós podemos ter programação infantil e temos, mas nós temos que ter uma preocupação de que essa programação infantil tenha um conteúdo educativo, tenha um conteúdo cultural, não simplesmente pegar um desenho de super-herói e colocar na tela.
A gente sempre remete como um bom exemplo, ao programa RA-TIM-BUM. Mas é uma produção própria da TV
Cultura. Vocês pensam em produzir para além do jornalismo?
Doyle: Temos limitações de recursos. O dinheiro que nos caberia na EBC vai para o Tesouro, e ele chega carimbado no Orçamento da União. Estamos discutindo com a Secom, pois se recebermos a parcela prevista em sua proporção legal, teremos condições de desenvolver a rede. A gente quer produzir, a gente quer coproduzir e a gente quer adquirir. Nós podemos produzir programas bons, nós podemos coproduzir com outras instituições, com outras emissoras. Mas para tudo, precisamos de recursos.
Mas vocês recebem uma parcela dos recursos do setor de telecomunicações, não? Me lembro que as operadoras chegaram a depositar os recursos em juízo, mas depois foi feito um acordo, não?
Doyle: Não recebemos todos os recursos. O acordo foi feito com algumas empresas. Por exemplo, a Oi não entrou. Hoje são arrecadados R$ 230 milhões anuais no fundo criado para a TV pública. A EBC deve receber 75%. O problema é que os nossos recursos são vinculados ao orçamento. Em Portugal, por exemplo, as emissoras de TV são sustentadas por um percentual da conta de luz.
Mas, na verdade, com a criação desse fundo, é o usuário do celular que está contribuindo para a TV Pública.
Doyle: Mas o que fica para a gente é muito pouco para sustentar a EBC sozinha. Estamos negociando para ficar, pelo menos com todo o valor que é arrecadado, cerca de mais R$ 53 milhões por ano. Esses recursos, vamos jogar na rede, nas emissoras dos estados, nas TVs educativas, TVs universitárias, TVs estaduais.
E o processo de digitalização, como está?
Doyle: Está andando. E vamos expandir pelas prefeituras. Tanto para nós quanto para o governo, interessa expandir a rede. Uma coisa é nossa programação, tem que investir na programação. Outra coisa é investir na rede pública, porque não adianta ter uma TV Brasil em Brasília, Rio… Tem que ter o país inteiro.
Como você vê a empresa daqui a quatro anos?
Doyle: Que a EBC esteja funcionando de uma maneira mais racional, que a gente supere as distorções de planos de carreiras, e que a gente possa ter uma programação de relevância, de qualidade, de credibilidade; que a gente possa ter agência de notícia que seja referência tanto pública quanto de notícias do governo; e que a gente crie uma base para continuar esse trabalho, porque esse trabalho foi interrompido em 2016. A gente tem que não só recuperar a trajetória perdida, como criar. Em quatro anos não vamos ter a EBC dos sonhos, mas criar as bases para que os que vierem depois possam prosseguir esse trabalho. No Brasil, o
conceito de comunicação pública ainda não é bem compreendido e uma das nossas tarefas é mostrar qual a sua importância. A gente está, por isso, separando os canais. Canal 1 comunicação pública, canal 2 governos.
Em relação aos planos de carreiras, há muita distorção. Por exemplo: pela lei, temos que ter um médico por quadro. A distorção maior é utilizar regras gerais das empresas públicas para empresa de comunicação. Em uma empresa privada, se você quiser contratar um jornalista experiente pra fazer uma apresentação, basta uma decisão do seu diretor e no máximo em cinco horas o cara está contratado. Nós aqui demoramos seis meses.
Você acha que o governo, seja qual for, consegue entender qual é o papel de uma TV pública?
Doyle: Acho que hoje não compreende, de modo geral. Os governantes pensam: “Agora que a gente ganhou, nós não vamos usar a rádio e TV a nosso favor?” Essa mentalidade existe até hoje. É por isso que a gente também quer deixar muito claro que a
EBC faz comunicação pública e presta serviço ao governo. A gente não quer deixar de prestar serviço ao governo, mas a prestação de serviço ao governo não se confunde com comunicação pública. Vamos conseguir? Espero que sim, mas a gente sabe que é um processo complicado.
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